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E o ingrediente secreto da sopa do ingrediente secreto é...

Pra quem não se lembra de Kung Fu Panda, ou só lembra algumas cenas soltas mas não o final, um dos pontos principais do filme é o incrível e maravilhoso Pergaminho do Dragão. Apenas O Dragão Guerreiro pode ter a honra lê-lo, e fazer isso lhe tornaria o ser mais poderoso das redondezas. Do balacobaco mesmo.

Só que, quando aberto, em um momento de pleno desespero… o pergaminho não tinha nada. Sem solução para um conflito iminente, Po faz uma retirada estratégica (leia-se: de derrota), e seu pai tenta animá-lo contando algo que há anos guardava consigo. Em sua loja de macarrão, um prato muito pedido era a sopa do ingrediente secreto, e muitos queriam saber qual era esse grande ingrediente pois a sopa era ótima! Pois bem, o ingrediente… nunca existiu! A sopa era boa porque era. Porque o pai dele fazia acreditando que ela era especial. Porque havia amor ali.

E, de repente, Po se dá conta de que o pergaminho do dragão não tem simplesmente “nada”. Ele é… um espelho! Tudo que Po precisava já estava bem ali, dentro dele.

(tecnicamente, eu pediria desculpa pelo spoiler para quem não viu, mas quem ainda não viu esse filme é que deveria pedir desculpa. por favor, vá ver a trilogia inteira para redimir sua alma. obrigada.)

Uns meses atrás (inclusive, marcado em um post de playlist semanal), por algum motivo que nem lembro direito, eu decidi reler minha primeira história postada a público. Acho que queria reler algumas cenas específicas, mas acabei ficando e relendo tudo. Me surpreendeu quão fácil foi essa decisão, considerando como geralmente evito com afinco entrar em contato com as primeiras coisas que fiz, mas depois fui bem grata por ela. E, inclusive, eu pensei em fazer um post por aqui por isso, mas deixei escapar a faísca.

Só que essa vontade voltou, então cá estou.

Contexto pra quem só me conheceu nos últimos anos, ou talvez tenha chegado nessa news de paraquedas, e não conhece meu início de carreira. Minha primeira história postada foi uma fanfic (aquelas histórias baseadas em alguma mídia que já existe) de Kingdom Hearts, de nome Past & Future. Ainda é encontrada no Nyah, mas sua primeira versão mesmo foi do Orkut, que feliz ou infelizmente levou consigo quando morreu. O enredo era basicamente: os protagonistas que conhecemos nos jogos cresceram e tiveram filhos, e esses filhos são os “escolhidos” da vez. Vários questionamentos sobre qual era o real mérito deles nessa batalha - foram escolhidos porque realmente tinham o poder necessário, ou apenas porque são filhos de quem são? -, encarar que talvez seus pais tenham um passado meio tempestuoso, uma traição de integrante do grupinho principal, eu colocando Spyro e Jovens Titãs no meio só porque amava eles, enfim. É uma boa proposta, inegavelmente, e eu me diverti muito fazendo. Me joguei com tudo.

Mas, bem, foi a primeira fic. A primeira história que de fato coloquei no papel/arquivo do Word, apesar de já ter criado tantas outras antes (tinha inclusive um projeto de mangá inteirinho na cabeça, que hoje já virou saga literária, mas enfim). A primeira que coloquei pro público ler, julgar, comentar, se emocionar, dar dicas, criticar. Eu nem tinha jogado todos os jogos (tinha jogado só um, na verdade, e sabia por alto do plot de outro)! Ela tem vários erros bem amadores, coisas que já me deram muito nervoso e hoje ainda dou risadinhas lembrando. Tem várias coisas que eu exploraria bem mais se estivesse escrevendo hoje em dia. Mas a Anne de 15 anos fez o melhor dela - e, acreditem, a guria era muito perfeccionista e insegura, então realmente foi o melhor que era possível.

E querem saber? P&F teve público! Não se tornou nenhuma Famosinha (acho, pelo menos?), mas tinha leitores fiéis. Tinha inclusive gente que nunca jogou lendo, porque ficamos amigos no meio da vida no Nyah e queriam ver aquela história que eu tanto falava - porque, pois é, naquela época, tu me dava “oi” na internet e eu já tava falando de algo da minha fic, ou pelo menos de KH. Teve inclusive uma autora de uma das “famosinhas” lendo (e eu super estimava ela e sua fic, help, quase infartei quando ela apareceu comentando algo meu). Tinha escritores genuinamente experientes - pelo menos, bem mais que eu naquela época -, que escreviam histórias que eu idolatrava, e sempre me perguntei como raios eles acabaram lendo aquela minha historiazinha iniciante (eu pensava coisas piores na época e por vários anos seguintes, mas sou mais gentil com minhas primeiras criações hoje em dia). Não que eu fosse reclamar, né, mas por dentro eu tava lá “meu Deus, que que eles viram nela??”.

Enquanto eu relia, em pleno 2023, depois de vários altos e baixos na vida como um todo e na escrita também, a chave clicou. Só precisei de 12 anos, mas resolvi o mistério! /piada

A magia sempre esteve lá. É verdade que ela tava meio nublada por algumas cenas “cringe”, umas descrições corridas, uns furos de plot pelos jogos que não joguei… mas, olhando com a maturidade que tenho agora, me pareceu tão óbvio. Tinha tanta emoção ali, tanta verdade. Eu era encantada por aquela história, e dá pra ver isso em cada linha, mesmo as que eu mudaria em revisão. Eu me esforcei não só pra ter uma história legal e plausível, mas pra demonstrar o que cada personagem sentia, como eles reagiam a cada evento desdobrando, como se relacionavam um com o outro. Tudo era sobre eles, afinal, por eles, para eles. E ficou bom! Ficou interessante! Eu mesma relendo pensava “nossa, quero ver como eles vão lidar com isso!”. Às vezes, eram só pequenos momentos, mas eu me pegava sorrindo com as interações que rolavam.

(e, sério, colocar seus OCs (“personagens originais”) pra interagir com personagens queridinhos seus é uma injeção de serotonina muito boa, eu devia meter a loca mais vezes e simplesmente escrever crossovers aleatórios e sem “propósito” só porque to afim (e você também!! considere isso um sinal, vá fazer sua fic totalmente montada em cima do que você gosta!! faça aqueles dois personagens de universos plenamente diferentes mas que você jura que se dariam super bem caso se conhecessem se encontrarem!!)

Não passou despercebido também como essa história tem muito de mim. Digo, eu tava bem consciente na época de como a primeira protagonista era um self-insert purinho, com toda sua insegurança e histórico de bullying, e que finalmente era feliz ao encontrar um grupinho que a via como amiga. Eu nunca escondi que várias vezes projetei e projeto no que to escrevendo, mas, eu asseguro, se você já tem essa noção, saiba que sempre tem mais do que a gente nota de primeira. Nada como algumas conversas profundas com sua melhor amiga e uns meses de terapia pra se dar conta de quantos padrões se repetem nas coisas que você cria e consome - quem lembra meu post sobre a uma das minhas primeiras personagens preferidas?. Mas, além de meus próprios dilemas, P&F também carrega muito do que eu gosto, do que eu procuro quando quero ler algo, de como eu navego e entendo o mundo. Nitidamente é uma primeira fic, porque não havia pressão de pensar “ai, acho que público quer ver isso, seria legal fazer desse jeito porque gostam assim”. Eu escrevia o que eu queria, o que eu amava, o que eu sentia que era certo. Não que eu não tivesse minhas inseguranças - literalmente só me senti confortável de fazer um subplot com um dos mocinhos sendo tentado pelas forças sombrias quando vi mais alguém fazendo e demonstrando a mesma empolgação que eu tinha com essa ideia, porque antes eu só me achava doida (é assim que vocês veem como eu era iniciante, hoje eu Sei que tem uma legião de fãs dessa trope) -, mas eu vejo como não era sobre escrever o que queriam ou o que tava na moda, apenas o que eu sentia que era pra ser.

E, sabe? Que história incrível que isso deu. Com seus traços amadores, é, mas muito boa. Mereceu cada leitor que conseguiu - e eu nunca tinha sentido isso como verdade, é sinceramente libertador finalmente dizer essas palavras e saber que não são da boca pra fora.

Considerando os meus anos nessa indústria vital, claro que veio desgaste. Veio conhecimento, mas também desculpas para usá-lo como sabotagem. Vários momentos de estar plenamente consciente (e me cobrando) que to repetindo plot, que uso demais essa ou outra trope, que personagem tá sem graça, que personagem tá forte demais. Indagações de se faz sentido, se alguém mais vai gostar do que to fazendo, se vale a pena contar a história que to pensando. Muitas vezes, eu olhava pra trás e pensava “nossa, que saudade de quando eu comecei, não pensava tanta coisa assim” - e logo depois vinha aquela pontinha de culpa, aquele sussurro “é, mas você aprendeu como deixar uma história melhor, tá arrependida disso?”. Eu lembro que já me cobrava, mas era felizaça com cada ideia nova. Eu continuo sendo feliz escrevendo, se querem saber, mas parar pra pensar nas histórias vez ou outra (muitas vezes, dependendo da época) me faz mais querer jogar o que eu tava trabalhando fora do que prosseguir. Reler P&F no início do ano foi quase um acaso (de repente foi meu anjo da guarda mesmo, faz hora extra esse pobi), mas foi uma das melhores ações que tomei, porque me fez me dar conta de como… só basta escrever. E eu sei fazer isso. Não to magicamente curada de ter aqueles pensamentos cheios de dúvida e medo (adoraria, não vou mentir), mas foi um momento de certeza que me acalentou.

Talvez, minhas histórias sejam um tanto repetitivas, ou óbvias, ou muito fracas nas cenas de ação (isso são mesmo, por favor não espere grandes batalhas por aqui). Talvez, se aquela fulana que escreveu um livro que tocou no fundo da minha alma, ou aquele ciclano autor de uma fic que arrancou meu coração, se eles escrevessem essa mesma história, ela sairia melhor. Mas isso não impede que a minha versão seja boa. Isso não impede que a minha versão toque quem se dispor a lê-la. Isso não impede que ela seja exatamente o que alguém tá procurando - porque, hey, eu sei que eu to. Se eu me sinto tão feliz enquanto crio, como que eu duvido tanto que outra pessoa vai sentir algo bom também? Se isso tudo carrega tantos reflexos do que sinto, do que penso, do que acredito, como eu passo tanto tempo duvidando que vai parecer real?

Uma fic muito importante pro meu coração uma vez disse “Talvez crescer também seja desaprender”. Sem brincadeira nenhuma, já cogitei tatuar essa frase, porque é a mais pura verdade - e já me dei conta disso mais de uma vez, acho incrível, crescer pelo visto também é aprender a mesma lição várias vezes diferentes. Faz bem simplesmente se jogar, criar o que a sua criança interior tá pedindo, confiar que ela sabe o que tá fazendo. Eu confiava em P&F. Como pode que uma autora de fics de Kingdom Hearts se deixou convencer que a voz do seu coração não era válida o bastante para ser ouvida?

Às vezes, a gente só precisa de um capítulo “filler” (muuuuitas aspas nessa palavra, mas seria um outro post inteiro pra discutir) na praia, um personagem que a gente gosta muito aparecendo do nada numa fanfic que nem é de onde ele vem, uma conversa sobre filmes preferidos no meio de uma história tensa, porque era o que a gente queria fazer. É importante ter a sabedoria de que nem sempre vai encaixar, mas faz bem se deixar guiar pelo que estamos a fim. Talvez, acabe encaixando mesmo, e talvez seja apenas um momento de conhecer melhor quem você tá escrevendo. De qualquer maneira, dá uma boa história - porque você sabe o que tá fazendo, você realmente sempre sabe, mesmo sem se dar conta disso. Ser especial para você basta.

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